terça-feira, 16 de agosto de 2011

Relato de Viagem - O Puyehue e o Buquebus

 Foto tirada por Camila.

Eram 7 horas da manhã quando chegamos em Buenos Aires. Eu, Camila e Thuany. A linda visão do nascer do sol no rio da Prata era um conforto, uma recompensa pela madrugada de pesadelos que tivemos. Tudo começou às 18 horas do dia anterior, quando nosso voo fez conexão em Montevidéu (para mim, que odeio viajar de avião, começou já em Porto Alegre). Estávamos sentadas dentro do avião, prontas para a decolagem. Eu, na porta de emergência, aterrorizada. Um uruguaio (ou argentino?) tentava puxar assunto. Eu nem respondia, tentava não pensar em nada, já morrendo de medo antes mesmo de o avião deixar o solo. Mas o avião nem chegou a decolar. O piloto nos avisou que o voo havia sido cancelado por causa das cinzas do vulcão chileno Puyehue. A primeira coisa que senti foi alívio. Mas, depois, o que fazer? Como três brasileiras no início da segunda década de suas vidas, uma mais perdida que a outra, se virariam diante de um imprevisto daqueles, de noite?

Agimos por instinto: seguimos nossos iguais, os brasileiros. Durante toda a noite, pedíamos uma informação aqui, outra ali. Minhas tentativas de falar espanhol com os funcionários do aeroporto foram patéticas. Minhas gesticulações, inúteis. Uma passageira insistia na ideia de irmos de barco até Buenos Aires. Deve ser uma medrosa como eu, pensei, mas torci muito por essa possibilidade. Às 21 horas, nos avisaram que iríamos mesmo de barco para Buenos Aires. Como era esse barco, eu não sabia, mas estava feliz. Qualquer coisa, menos avião. 

O tempo passou surpreendentemente rápido. À meia-noite, chegaram os ônibus que nos levariam à cidade de Colonia, onde pegaríamos o barco (Buquebus, era como o chamavam). Foi uma verdadeira selva. Passageiros dos mais de cinco voos cancelados devido ao vulcão corriam para garantir seu lugar no ônibus. Thuany, na ânsia de pegar um lugar confortável, colocou e retirou por três vezes sua mala de três ônibus diferentes. Acabou se separando de Camila e de mim. Foram mais de duas horas de viagem até Colonia. Todos no meu ônibus pareciam dormir, mas eu fiquei imaginando como seria a paisagem do interior argentino. Não devia ser muito diferente do pampa gaúcho. Pena que não era possível ver nada lá fora.

Assim que chegamos, mais estresse. Formaram-se três filas gigantescas que não andavam. Ninguém sabia o que fazer. Nenhum funcionário da companhia aérea Pluna tinha nos acompanhado até lá. Ainda no aeroporto, haviam nos dado uma passagem para o buquebus e, assim, se livrado do problema. Camila e eu achamos a Thuany e fizemos como todo mundo: esperamos. Lá pelas quatro da manhã, alguém do buquebus surgiu com uma lista mágica que continha todos os nomes dos passageiros, o que nos garantia o embarque.

Será que finalmente embarcaríamos para Buenos Aires, depois de quatro meses planejando a viagem e horas andando de um lado para o outro? Não. Camila e eu perdemos o papel de entrada e saída no país graças a um mal entendido da funcionária da Pluna. Sem ele, não poderíamos deixar o Uruguai. Tentamos explicar nossa situação, mas a mulher responsável pela migração parecia rir da nossa cara, seus subalternos ao lado permaneciam impassíveis. Havia só uma solução: pagar uma multa de 700 pesos uruguaios (cerca de 70 reais) cada uma. Exaustas e com medo de perder o barco, entregamos o dinheiro a ela, odiando mais do que tudo na vida aquele sorriso debochado. Antes de entrar no buquebus, um último momento de desespero: percorremos corredores e mais corredores, não chegando ao tal barco nunca. Aquilo mais parecia um cenário de filme de terror, totalmente abandonado. Por fim, chegamos, e o barco ainda estava esperando por nós. Finalmente, estávamos indo em direção a Buenos Aires.

Foto tirada por mim, enfim no buquebus.



*Esse foi o memorável primeiro dia. Ao longo da semana, vou postando o desenrolar da história.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Melancolia

Minhas impressões, antes que eu perca o fio da meada e acabe deixando pra lá (pode ter spoilers):

Nunca tinha visto um filme do Lars Von Trier, mas li no blog do Merten sobre os seus personagens que não se encaixavam muito bem na sociedade. Gostei muito da Kirsten Dunst, ela parece ter sido a atriz perfeita para o papel. Achei a cena de abertura, com a câmera lenta e a música clássica, meio Kubrick, mas eu acho tudo meio Kubrick de todo modo. Os simbolismos para mim estão muito claros, mas tem um que ainda não li em nenhum lugar: trata-se da oposição entre melancolia e luto.

Não sou psicóloga, mas isso foi algo que eu vi há alguns dias no Café Filosófico da TV Cultura. Sendo muito simplista, a melancolia é um estado em que não se aceita uma perda, enquanto, no luto, já há essa aceitação. Apesar da personagem Justine apresentar características melancólicas na primeira parte do filme (visto que ela encontra dificuldade em seguir em frente com a sua vida - fato que aparece simbolicamente quando seu cavalo não consegue atravessar uma ponte), na segunda parte, Justine já superou esse estado e finalmente entrou para a fase do luto. Ela está conformada com o fim, até mesmo a obviedade de seu figurino (uma camiseta preta) mostra isso. Paralelamente, sua irmã Claire, que possuía uma vida convencional e perfeitamente formada, passa a ser a personificação da melancolia. Ela não consegue aceitar o fim nem mesmo quando este chega de vez, contaminando o espectador com seu desespero. 

Há muitas outras coisas interessantes para serem pensadas sobre o filme (o planeta Melancolia, a criança, a atitude do pai), mas essa relação da melancolia e do luto entre as duas irmãs foi o que me chamou mais atenção. 

Fora, é claro, a cena final, que,  mesmo com o uso de recursos óbvios (como a trilha sonora que aumenta de intensidade), é marcante, angustiante e dá todo o sentido ao título do filme. É daquelas cenas que valem muito a pena serem vistas no cinema.

(Luto e Melancolia é também um texto de Freud de 1917, que estabeleceu os conceitos utilizados hoje. Trecho aqui.)