sexta-feira, 8 de abril de 2011

Quanto Mais Sangue Melhor

Não foi nenhuma surpresa ver a tragédia que deixou 12 crianças mortas na escola Tasso da Silveira virar espetáculo na televisão brasileira. Emissoras brigavam pela "melhor imagem", aquela que chegasse o mais próximo possível do momento exato do massacre. Quanto mais sangue, melhor.

A Band começou sua edição do Jornal da Band com um vídeo que sintetizava os piores momentos da tragédia. Com uma música dramática ao fundo e uma edição de vídeo acelerada, o que se via eram crianças correndo ensanguentadas ou então as palavras "sangue, sangue, crianças mortas". Nas reportagens, espaço para a reconstrução do fato, para o desespero dos pais, para a retrospectiva de fatos parecidos ao redor do mundo (com direito às "melhores imagens") e, principalmente, para exibição de vídeos amadores. A emissora não se dedicou a levantar maiores questionamentos; ao invés disso, dedicou 1 minuto para a repercussão internacional do fato. Assim, também, foi a repercussão nas redes Record e Globo.

A Record fez uma cobertura ainda mais sensacionalista do fato, mostrando imagens dos feridos sem nenhum pudor, inclusive do buraco que uma das balas teria feito em uma vítima. Vídeos amadores mostravam os pais correndo pelos corredores enquanto uma criança ferida permanecia no chão. A emissora deu destaque para a reconstrução do fato, para a reação dos pais, para o policial que matou o assassino, para um breve perfil do assassino, que foi representado como uma pessoa anti-social e isolada, e para a reação da presidente Dilma Rousseff, que fez questão de mostrar o quão comovida ficou a presidente.

A comoção de Dilma também foi mostrada pela Globo, além de reportagens com entrevistas com os pais e pessoas que ajudaram e com a reconstrução do fato. O principal trunfo, porém, foi o relato da estudante Jade, que narrou de forma emocionante os momentos de pânico e, no fim, agradeceu ao policial que matou o assassino. Márcio Alexandre Alves foi um dos destaques da edição, retratado como verdadeiro herói. A Globo dedicou ainda uma reportagem ao perfil do assassino, com entrevistas exclusivas concedidas pelos vizinhos e pelo irmão adotivo dele, que destacou que a mãe biológica do rapaz também tinha um histórico de doença mental e, ainda, contou que o irmão admirava o atentado terrorista de 2001. Ao mostrar a carta deixada por ele, o fanatismo religioso foi mostrado como destaque. O bullying também foi uma das questões citadas como relação a esse tipo de tragédia, embora nenhuma fonte tenha sido usada para legitimar essa ligação. 

Em suma, o que se viu foram informações não-verificadas, muitas imagens chocantes de vídeos amadores e, especialmente, sonoras emocionantes dos entrevistados, que utilizaram dezenas de vezes a palavra "sangue". É a tragédia em forma de espetáculo televisivo. 

Até agora, houve pouco espaço para debate, a não ser alguns questionamentos sobre o desarmamento (na Globo, o comentarista de segurança Rodrigo Pimentel afirmou que a única medida capaz de evitar esse tipo de tragédia seria a proibição do uso de armas. Não foi dado espaço para uma opinião divergente). O assunto ainda vai durar pelo menos uma semana. Depois do primeiro dia, pautas serão puxadas do fato inicial e renderão até que a próxima tragédia ocorra. É nesse espaço de tempo que veremos quais questões serão postas em debate pela mídia e de que forma elas serão tratadas. Postarei de novo sobre isso na semana que vem.

Um comentário:

  1. Parabéns! Ótimo texto e reflexão sobre o cenário da mídia atual. Enquanto todos os veículos dominam a mente de muitos cidadãos, mostrando apenas tragédias e desgraças, alguns poucos brasileiros refletem sobre a segurança e a necessidade de uma imprensa que instigue a reflexão e que seja menos sensacionalista.

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